segunda-feira, 2 de junho de 2008

O Violino da Joana

Era uma vez uma menina chamada Joana que gostava muito de tocar violino. Tinha 12 anos e era muito pobre mas trabalhava, para ajudar os pais, enquanto todos os seus amiguinhos do bairro estavam na escola.
Como não tinha estudos, trabalhava na casa de uma senhora muito rica e simpática, fazendo uns vestidos até aos pés, muito bonitos. Fazia também a sua própria roupa e a dos pais, visto que ambos tinham trabalho e estavam todo o dia fora.
Não tinha avós, irmãos, primos, nem sequer tios… Mas tinha um violino, tinha-o ganho numa quermesse de um arraial do seu bairro. Era o único “brinquedo” que possuía, passava todo o tempo em que não estava a trabalhar, a tocar. Tocava muito bem mas os pais repreendiam-na, dizendo sempre: “Isso não é futuro para ti, filha…”, preferiam que ela trabalhasse como uma adulta e nunca se divertisse.
Certo dia, estava no jardim de sua casa a tocar um bela melodia, quando reparou que alguém a observava. Era um senhor alto, de meia-idade, com um bigode muito escuro e um pouco careca. A menina não ligou e continuou a tocar mais algum tempo, até que se começou a sentir incomodada. Os seus pais sempre lhe disseram que não devia falar com estranhos, mas Joana não aguentou e perguntou:
- O que deseja?
- Nada, nada… Estava só a ouvi-la a tocar. Toca tão bem! – disse o homem.
- Obrigada! Mas os meus pais disseram-me para não falar com estranhos. – respondeu agressivamente a rapariga.
- Desculpe, não a queria assustar. Apenas me chamou a atenção porque sou maestro de uma grande orquestra na cidade. José Garrido, prazer! – apresentou-se o homem esticando o braço como quem queria um aperto de mão.
- A sério? Isso deve ser espectacular! Eu chamo-me Joana, Joana Mendonça. – disse-lhe ela toda entusiasmada e apertando-lhe a mão.
- E tu tocas numa orquestra?
- Não, eu trabalho como costureira, nem sequer estudo. Não tenho tempo para essas aventuras. – respondeu a menina, baixando a cabeça, muito triste.
- Acho que te posso ajudar!
- Como é que você me pode ajudar? Eu não tenho vida para ser músico. Gosto muito de tocar violino, mas para me distrair e esquecer os meus problemas por umas horas. – disse novamente a menina desconsolada.
- Tudo bem, fica com o meu contacto e, se mudares de ideias, telefona-me.
- Mas eu nem sequer tenho telefone em casa. – informou ela.
- Então vai a um café ligar, só não quero que desperdices os teus talentos. – sugeriu o homem, um pouco desiludido mas ainda com esperança.
- Vou pensar no assunto, senhor José Garrido. Muito boa tarde! – respondeu a menina com um sorrisinho nos lábios.
O senhor apertou-lhe a mão novamente e continuou o seu caminho. Joana sentou-se no banquinho do seu jardim a pensar no que tinha acontecido, petrificada, como se lhe dissessem que nunca iria morrer, mas com um enorme brilho nos olhos e a imaginar-se com um vestido cor de rosa, muito elegante, a tocar um concerto para violino de Tchaikovsky numa grande orquestra, onde todo o público a observava atentamente.
Para estragar o seu sonho chega a mãe que lhe diz:
- Filha, a tua patroa ligou para o café a pedir que vás lá a casa arranjar-lhe um vestido que se descoseu, é urgente!
- Sim mãe, já estou a caminho. - disse ela aborrecida, dirigindo-se para casa, onde iria arrumar o violino.
A menina não parava de pensar naquela hipótese que lhe propuseram, enquanto arranjava o vestido da senhora.
Voltou para casa, ao fim do dia e, para seu espanto, o senhor José estava novamente lá em casa. Desta vez, por outras razões, porque a mãe da menina trabalhava como empregada de limpeza em salas de espectáculos e o senhor já teria realizado vários concertos nalgumas daquelas salas, foi assim que se conheceram e ficaram bons amigos, mas Joana desconhecia isso e ficou espantada.
- Você aqui? O que está aqui a fazer? – perguntou a rapariga intrigada.
- Eu sou amigo da tua mãe, há muito tempo, mas quando estive cá esta manhã não reconheci a casa, senão teria comentado alguma coisa contigo. Mas então ainda bem que nos conhecemos todos! - disse José ainda mais entusiasmado.
José tinha sido convidado, pela mãe da Joana, para jantar lá em casa naquela noite. Há muito que lhe devia um jantar e, por acaso, José estava disponível naquele dia.
O jantar foi super divertido, fartaram-se de rir. José era um homem simpático, culto mas muito humilde e divertido. Todos o adoravam! Há muito tempo que aquela família não se divertia tanto com um jantar apenas… Contaram experiências divertidas da vida de cada um apesar de José ter bastantes mais aventuras para partilhar, pois a vida da família Mendonça era muito rotineira e sem interesse. Mas mesmo assim tinham algumas histórias de infância. Depois do jantar seguiram para a sala onde finalmente começaram a conversa que interessava a Joana: a sua veia artística.
- Então Joana, tens praticado muito o violino? – perguntou interessado José.
- Nem por isso. Como já lhe tinha dito, trabalho muito e não tenho tempo para essas coisas, só o faço de vez em quando. – respondeu Joana triste mas sem o mostrar, para que a mãe não a censurasse.
- E já pensaste na minha proposta?
- Já… talvez aceite! Mas só com a aprovação dos meus pais como é claro. É uma grande responsabilidade e não sei se estou à altura. Ainda sou muito nova e tenho muito que coser. – retorquiu ela decidida.
- Mas que proposta? Não estamos a perceber nada, senhor José… – disse o pai de Joana, falando em nome próprio e da sua mulher.
- A Joana não vos contou? Eu convidei-a para entrar na minha orquestra, na cidade. Bem, antes teria de ter aulas com o nosso concertino mas, com calma e empenho, chegaria ao topo. Tens muitas capacidades, Joana, com força de vontade, poderias ser uma grande violinista. – esclareceu José.
A jovem ficou super entusiasmada e tentaram ambos convencer os pais de Joana. Conseguiram-no facilmente, visto que os pais reconheceram o valor e competência que a sua filha tinha.
Passadas umas semanas, Joana ia às aulas com o seu “professor”, duas vezes por semana. A menina conseguia conciliar o trabalho e as aulas: durante o dia, trabalhava na casa da senhora a costurar, e nas noites em que não tinha aulas praticava muito violino, em casa. Até que chegou ao ponto em que a menina estava a tocar tão bem que José Garrido decidiu definitivamente introduzir Joana na sua orquestra.
- Joana, está na altura de entrares para a orquestra. Estás a tocar melhor do que muitos que lá estão, é um desperdício andares a ter aulas, sem fazeres parte da orquestra. Continuas com as aulas mas vais também aos ensaios. São logo depois das tuas aulas. Que dizes? – perguntou José.
- Mas é claro! Há meses que esperava esse convite e, agora que o fez, nem sei o que dizer… Estou muito feliz, a sério, muito obrigada por esta oportunidade fabulosa. Vou ficar-lhe eternamente agradecida e darei o meu melhor. – disse a menina, com um enorme sorriso no rosto, sem saber o que dizer mais. Estava tão feliz! Era uma grande oportunidade que não podia ser desperdiçada e mais ainda, não podia desiludir o Senhor José e os seus pais que a tinham apoiado em tudo. Joana começava agora a ter uma nova vida, mais responsável mas também muito feliz.
Todos os membros da orquestra a admiravam. Diziam que era realmente uma grande violinista, com capacidades para tocar o melhor concerto que algum compositor tinha construído. E foi mesmo, durante um dos ensaios, o senhor José anunciou que, dali a um mês, teriam dois concertos no sul do país. Ficariam lá cinco dias. Era a primeira vez que Joana dormia fora de casa, não sabia se os pais a deixariam ir, eles sempre foram muito conservadores e nunca a deixaram dormir senão em casa. Mas daquela vez autorizaram-na, a mãe da jovem tinha muita confiança em José e reconhecera que esta era a maior ocasião para a sua filha mostrar quanto talento tinha.
Durante semanas, Joana foi incansável, estudava dia e noite. Sempre que não tinha trabalho em casa da sua patroa corria para casa ao encontro do seu violino e tocava até ao anoitecer. Nos ensaios, quando acabava um solo, todos a aplaudiam. Era uma menina de ouro que ali estava, sem ninguém lhe ter dado até então o devido valor.
Quando chegou à altura de partir para o sul de Portugal, Joana teve medo. Não sabia se ela e o seu violino estavam prontos para um tão honrado concerto mas, mesmo assim, partiu sem hesitar pois tinha sempre na cabeça aquela imagem de um fabuloso espectáculo onde ninguém tirava os olhos de si.
- Mãe, tenho medo de não conseguir dar o meu melhor. E se eu me engano? Ou se fico nervosa e me atrapalho toda? Ai… não sei o que faça para me acalmar. – disse Joana toda nervosa.
- Filha, não estejas preocupada! Tu és a melhor violinista que eu já vi… e acredita que já vi muitos concertos. Não te vais enganar de certeza, conheces as músicas e sabe-las de trás para a frente. Não fiques nervosa, querida! – acalmou-a a mãe, com muita quietude e sinceridade.
Chegou a altura do concerto. Joana estava muito agitada e não dizia coisa com coisa, só pensava que podia estragar todo o concerto por um engano e desiludir todos os outros membros da orquestra, o maestro, os pais e, principalmente, os espectadores. Mas finalmente acabou! Correu tudo lindamente, Joana estava felicíssima! Não tinha errado uma vez só, todos a aplaudiam incluindo o maestro e os outros músicos. Tudo tinha sido como ela imaginara. Estava muito bonita, com um vestido cor-de-rosa que ela própria costurara. Tocou um concerto para violino de Tchaikovsky e todos a aplaudiram alegremente. Sonhava com este cenário há muito tempo… talvez desde que recebeu o seu violino numa simples quermesse da festa da sua terra. O maestro pediu que filmassem o concerto e foi, mais tarde, a casa de Joana entregar a gravação, pessoalmente, aos pais da menina, que acabaram por vê-lo todos juntos, numa noite de fim-de-semana.
Rita Fortes nº22

1 comentário:

Filó disse...

RITA

É LINDO !
HISTÓRIA DE FORÇA E CORAGEM !
TUDO O QUE EU PRECISO !
ESTOU SENSIBILIZADA
tudo o que mais desejo éViver, e deixar que outros vivam também !

Um BEIJO E PARABENS pelo excelente trabalho DE TODOS!